Nigéria – Sonhos apesar da dor

Christopher é um sobrevivente.

As Crianças Bruxas: Uma das Experiências Mais Desafiadoras e Enriquecedoras Que Já Vivi.

Minha jornada à Nigéria foi uma das experiências mais desafiadoras e, ao mesmo tempo, enriquecedoras da minha vida.

Durante 20 dias, eu e mais sete voluntários nos dedicamos a trabalhar em um orfanato com crianças que enfrentavam um fenômeno conhecido como “crianças bruxas”, que incluía abandono após agressões emocionais e físicas. Nosso objetivo principal era fazer um mapeamento das necessidades do local e desenvolver um plano para atrair mais voluntários e padrinhos para essas crianças.

O dia a dia no orfanato era intenso e emocional. Começávamos as manhãs com reuniões de planejamento, seguidas por atividades lúdicas e educacionais com as crianças. Era evidente a sede de afeto e atenção desses pequenos, algo que nos tocava profundamente. A tarde era dedicada a mais atividades interativas e, quando possível, pequenos passeios.

A experiência trouxe à tona desafios que nunca imaginei enfrentar. A barreira da língua era apenas o começo; lidar com as histórias de vida das crianças, cada uma mais comovente que a outra, testou nossa resiliência emocional. No entanto, esses desafios também foram acompanhados por aprendizados valiosos. Aprendi sobre a força do espírito humano, sobre a capacidade das crianças de encontrar alegria e esperança mesmo nas circunstâncias mais sombrias. Além disso, a importância da comunidade e do trabalho em equipe nunca foi tão evidente para mim quanto nesse contexto.

Conseguir mais voluntários e padrinhos para as crianças tornou-se nossa missão. Compartilhamos suas histórias, seus sonhos e a urgente necessidade de um futuro melhor. O trabalho no orfanato, embora breve, deixou uma marca em meu coração e me ensinou lições que carregarei por toda a vida.

Em meio ao trabalho, me deparei com esse fenômeno sombrio e enraizado: o das “crianças bruxas”. Elas são, injustamente acusadas de bruxaria, enfrentam exclusão, abuso e violência, uma realidade que desafia a compreensão e pede uma ação urgente. Durante minha estadia, conheci muitos jovens marcados por essas acusações, mas a história de um menino de treze anos se destacou de maneira especial, o Christopher.

Quando o entrevistei, ele compartilhou comigo o sonho de se tornar jogador de futebol. Mas não era apenas a paixão pelo esporte que movia seu desejo; era a esperança de que, alcançando sucesso e reconhecimento, ele pudesse provar sua inocência diante da comunidade e da própria família. “Se eu fosse um jogador de sucesso, as pessoas acreditariam que não sou um bruxo.”, disse. Suas palavras, carregadas de um misto de inocência e determinação, me emocionaram profundamente.

Naquele momento, percebi o impacto emocional dessas acusações nas vidas dessas crianças. Ainda assim, esse jovem mantinha viva a chama de um sonho, vendo no futebol uma ponte para a redenção e aceitação. Seu ídolo era Neymar, e seu maior desejo era jogar no Brasil, um sonho compartilhado por muitos jovens nigerianos que veem no futebol uma via de escape e transformação.

Tentamos levá-lo para o Brasil, eu e o líder daquele grupo que estava na Nigéria e, também morava em Santos, mas infelizmente a burocracia era tanta que não conseguimos.

Hoje, com vinte e dois anos, ele ainda joga futebol, mesmo que distante dos gramados brasileiros. Sua trajetória é um testemunho poderoso de resiliência e esperança, demonstrando que, mesmo nas circunstâncias mais adversas, é possível lutar pelos sonhos e, quem sabe, transformá-los em realidade.